Pilar obrigatório: um novo olhar

No momento em que o País retoma o debate sobre a necessidade de reformar o modelo previdenciário nacional, volta ao foco das discussões também a importância da previdência complementar fechada como pilar fundamental para a formação de poupança previdenciária de longo prazo. Nesse contexto, começam a ser analisadas pelos especialistas algumas das propostas de alternativas para a atual modelagem, que permitam não só aliviar o déficit da previdência pública como também ampliar a inclusão dos trabalhadores brasileiros em um sistema de proteção previdenciária complementar. “Expandir a formação da poupança de longo prazo para assegurar que hajam recursos para investir em um horizonte de tempo mais distante  é essencial e, para isso, é preciso encontrar uma solução para os problemas enfrentados pela previdência atualmente”, afirma o presidente do IBMEC e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Thomás Tosta de Sá, um estudioso do tema desde os anos 1970.
 
 
A previdência complementar fechada não tem avançado como deveria, pondera Tosta de Sá, até porque a adesão não é compulsória e a tendência natural das pessoas, diagnosticada pela economia comportamental, é deixar de poupar a longo prazo para gastar mais no presente. Como resultado, aumenta a sobrecarga sobre o sistema público de aposentadorias e resta um espaço estreito de crescimento para os planos complementares que, ao contrário, poderiam ajudar a reduzir essa pressão sobre as contas públicas. “ Uma alternativa que temos defendido é a criação de um pilar obrigatório dentro do sistema do INSS, aplicával a partir de um determinado nível de salários e que sairia do atual modelo de repartição para adotar o de capitalização”.
 
 
Desse modo, o percentual de aproximadamente 90% dos participantes do INSS que hoje são cobertos pelo teto da previdência no regime de repartição cairia para alguma coisa em torno de 65% a 70%, enquanto os demais passariam para o pilar de capitalização. O que significaria que um número muito mais expressivo de trabalhadores poderia contar com uma proteção nos moldes adotados hoje pelos planos privados.  

 

“Quando o governo federal aprovou o regime de capitalização para os servidores públicos, reconheceu a importância desse regime para reduzir o seu passivo previdenciário, então acredito que já exista maior espaço para discutir essa proposta”, espera o presidente do IBMEC.  “Se nada fizermos, os gastos previdenciários irão continuar aumentando em sua relação com o PIB ao longo das próximas décadas e a sociedade brasileira não suporta mais aumentos de tributos para atender esses gastos adicionais”, afirma Tosta de Sá. Ele defende ainda maiores estímulos fiscais e, principalmente, a adoção do mecanismo da adesão automática como alternativas fundamentais para o fomento da previdência complementar.
 
 
 
Modelo de gestão - Um pilar obrigatório de capitalização seria importante, mas a questão principal hoje é discutir como ele seria equacionado, já que não é possível pensar em criar novas contribuições para os trabalhadores, lembra o presidente da Abrapp, José Ribeiro Pena Neto. “Ele teria que vir no bojo de uma ampla reforma da previdência, saindo do regime de repartição para o de capitalização e uma parte dos recursos do FGTS iria para esse pilar”, concorda o presidente. “Isso viria aliviar sensivelmente o regime de repartição que vigora hoje no INSS, mas será fundamental procurar novas fontes de recursos, como o FGTS, para não onerar trabalhadores e empregadores”. A discussão, observa Pena Neto, foi retomada a partir do reconhecimento, pelo ministro da Fazenda, Nélson Barbosa, de que é preciso reformar o atual modelo.
 
 
O melhor gestor de recursos previdenciários tem sido, reconhecidamente, o modelo de fundos de pensão, no qual tanto empresários quanto trabalhadores fazem a gestão direta de seus recursos e não há objetivo de  lucro. Direcionar uma parte da poupança previdenciária para o regime de capitalização, nos moldes do que é feito pelos fundos de pensão, pode ser portanto a melhor alternativa, avalia Pena Neto.  Ele lembra que  houve problemas sérios em outros países, como foi o caso do Chile, devido à adoção de modelos que fugiram a esse desenho. “No caso chileno, os recursos foram totalmente alocados no regime de capitalização por empresas que visavam lucro e que, ao final, não entregaram o resultado esperado”.
 

 

 
Tributação e FGTS - Se o País não contar com um segundo pilar previdenciário (previdência complementar fechada) forte, a tendência será de haver cada vez maior pressão sobre o primeiro pilar ( INSS) pela reposição dessa renda destinada à maturidade dos trabalhadores e, consequentemente, pressões crescentes sobre as contas públicas”, reforça o advogado Flávio Martins Rodrigues, sócio sênior do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva e um dos especialistas no tema da previdência.

 

A tendência será o aumento constante dos pleitos por ganhos reais de quem recebe acima do salário mínimo, justamente por que não há um segundo pilar robusto o suficiente para repor essa renda.  Sob o ponto de vista social, sublinha Rodrigues, falta à sociedade brasileira ter mais clara a importância do segundo pilar. Do lado das políticas públicas, falta maior incentivo patronal por meio de estímulos fiscais para que as empresas que declaram IR pelo lucro presumido passem a criar e a manter planos de benefícios previdenciários. “As pequenas e médias empresas, por exemplo, que declaram pelo lucro presumido, não têm incentivos tributários para oferecer qualquer tipo de benefício previdenciário aos seus trabalhadores, incentivos que existem em diversas partes do mundo porque são fundamentais à formação de poupança de longo prazo”, avalia Rodrigues. Um modelo mais compatível com as necessidades de uma reforma previdenciária no Brasil traria, inclusive, a possibilidade de que uma parte dos recursos do FGTS fosse alocada  pelos empregadores em planos de previdência para seus empregados”, sugere o advogado.
 

 

 
Menor risco - O pilar obrigatório de capitalização de contas individualizadas, explica Tosta de Sá, daria liberdade de escolha para o participante decidir quem será o administrador de sua poupança previdenciária. “Ao propormos esse sistema de capitalização, dentro do INSS, buscamos reduzir o passivo previdenciário futuro do governo oferecendo uma possibilidade para uma participação crescente dos trabalhadores, por meio de sua poupança previdenciária, na participação do capital das empresas brasileiras”. Seria o que Tosta de Sá chama de “capitalismo para todos”.
 
 
Na avaliação de Flávio Martins Rodrigues, uma reforma consistente, feita a partir de um novo modelo de incentivos tributários e uso do FGTS, poderia inclusive reduzir o risco de investir no Brasil do ponto de vista dos agentes econômicos internacionais. “ Isso poderia nos trazer de volta o grau de investimento, uma vez que daria aos agentes dos mercados a percepção de que o governo brasileiro está empenhado em reduzir seu passivo previdenciário e as pressões sobre as contas públicas que hoje são exercidas pela situação do INSS”.
 

 

 
Fundos setoriais - Para o presidente da Abrapp, o modelo dos fundos de pensão foi utilizado com sucesso, por meio de desenhos diversos, na reforma dos regimes previdenciários de países como Holanda e a Suíça, por exemplo. “Uma alternativa importante e que oferece um desenho intermediário entre o pilar obrigatório e a previdência complementar totalmente facultativa seria o dos fundos de pensão setoriais, adotado na Holanda”, diz. Esse modelo permitiria expandir a poupança previdenciária e, ao mesmo tempo, evitaria a compulsoriedade para todos, já que a alocação em planos de previdência seria obrigatória apenas nos setores da economia em que tanto empregados quanto empregadores aceitassem essa opção.

 

“A previdência precisa sofrer uma mudança no Brasil e opções como o pilar obrigatório capitalizado, por exemplo, não devem ser compreendidas como uma alternativa que virá resolver todos os problemas, mas precisam ser discutidas como parte da solução”, sublinha  Pena Neto. ( Martha Elizabeth  Corazza )​​