Diversificação: um debate a ser retomado

A percepção de que as taxas de juros terão forçosamente que retomar uma trajetória de baixa, até pela inviabilidade de manter os atuais patamares por muito tempo sob o risco de comprometer qualquer perspectiva de crescimento econômico, os gestores de investimentos começam a recuperar o debate sobre alternativas de diversificação de carteiras além dos títulos públicos. Por enquanto, as carteiras dos fundos de pensão refletem uma alta concentração das alocações em NTN-Bs, que tem garantido expressivos ganhos de rentabilidade em ambiente de aversão total ao risco. Segundo os dados mais recentes do levantamento estatístico feito pela Abrapp, no mês de abril 71,3% dos recursos das Entidades Fechadas de Previdência Complementar estavam alocados em ativos de renda fixa enquanto apenas 18,4% estavam nas carteiras de renda variável.

Vale lembrar que esse é o menor percentual aplicado em renda variável pelos fundos de pensão nos últimos dez anos. Em dezembro de 2006, as fatias de renda fixa e de renda variável eram respectivamente de 59,8% e de 32,8%. Esses números traduzem, em parte, o efeito da desvalorização das ações na bolsa, que encolheram as carteiras de renda variável, mas também refletem movimentos de realocação que transferiram recursos da renda variável para a renda fixa. A alta volatilidade na bolsa produziu uma clara migração rumo às NTN-B, com maior ênfase de 2014 para cá. Esse quadro, afirmam gestores e consultores especializados, terá que mudar assim que houver sinais claros de estabilidade em alguns dos principais indicadores e o governo federal conseguir inspirar confiança na execução das reformas consideradas essenciais pelo mercado.

A partir de que momento os juros irão entrar em uma curva efetiva de queda forçando uma retomada do risco para garantir rentabilidade às carteiras dos fundos de pensão? Essa é uma questão que está longe de ter consenso no mercado, até porque, com a manutenção da Selic em 14,25% e diante da queda da inflação medida pelo IPCA este ano,o juro real subiu de 3,20% ao ano em janeiro para 4,97% a.a. em junho. Considerando as estimativas do IPCA, em julho o juro real atingiu 5,15% a.a. e, mantida a Selic, em dezembro chegará a 6,57% a.a.

No momento, além do alto retorno garantido pelas NTN-Bs, por si só um vetor de concentração nesses ativos, os gestores lidam também com um histórico recente de perdas em segmentos alternativos de alocação, como os mercados de crédito privado e de private equity, entre outros. Para o especialista e diretor da LUZ Soluções Financeiras, Edivar Queiroz, não há consenso sobre as perspectivas de diversificação: “Ainda é cedo demais para isso, é preciso aguardar sinais mais claros da aprovação de reformas pelo governo federal e que haja perspectivas de redução gradual do déficit público em 2017 até que a economia volte a apresentar crescimento”, avalia Queiroz.

“Concretizada a redução do juro, talvez a partir de 2017, o sistema terá que voltar a discutir alternativas aos títulos públicos porque fica cada vez mais patente que é importante diversificar”, ressalta o gerente de Investimentos da Fachesf, Luiz da Penha Souza da Silva, integrante da Comissão Técnica Nacional de Investimentos da Abrapp. Há uma nítida percepção de que os cenários antigos da economia brasileira, que apresentavam juros acima de 20% ao ano, não voltarão mais: “A expectativa é de queda em relação aos patamares atuais e não de alta ou manutenção por tempo indefinido, então será necessário buscar outras opções para as carteiras”, afirma Penha.

Investidor global – A expectativa favorável produzida pelas possíveis novas concessões e privatizações tende a ser vista como um vetor importante para a alocação de recursos nos setores atingidos por essa política, como os de transportes, logística e energia, aposta Marcelo Nazareth, da NetQuant. Para ele, que assume uma visão declaradamente otimista, pensar em diversificar “é para ontem”. Nazareth vê “sinais positivos do lado financeiro, com as concessões e privatizações abrindo espaço para uma série de projetos que devem atrair capital estrangeiro e nacional”. Ele acredita que os investidores estrangeiros estão ávidos por esse tipo de oportunidade no Brasil, “porque o apetite a risco está voltando globalmente e lá fora não há mais onde investir esse dinheiro”.

O ingresso de recursos externos, portanto, poderia ajudar a mudar as perspectivas dos mercados domésticos. “A reação do mercado financeiro tem sido positiva diante das recentes decisões políticas, já os avanços econômicos podem demorar um pouco mais”, analisa Nazareth. Mas ele aposta que 2017 trará mais movimentos “pró-mercado” que, por sua vez, poderão contagiar as carteiras das EFPC e reverter o atual quadro de mínimos históricos em seus investimentos de renda variável.

“A palavra de ordem das políticas para 2017 deverá ser colocar mais risco nas carteiras, ainda que a queda do juro seja um tema delicado e gradual a partir da sinalização da reforma da previdência e outras”, diz Nazareth. Sob esse ponto de vista, assim que houver uma política mais agressiva de corte do juro e sinais de estabilidade na relação dívida pública/PIB, será inevitável perceber a trajetória cadente dos retornos em títulos públicos.

Renda fixa internacional - O cenário doméstico não pode ser encarado com tanto otimismo em relação às estratégias de alocação dos fundos de pensão, que não apreciam ambientes de alta volatilidade, adverte Edivar Queiroz. “Se o governo brasileiro conseguir aprovar as reformas necessárias para reduzir o déficit aos poucos, poderemos vir a ter juros abaixo do patamar de 10% ao ano a partir de meados de 2017, mas isso se todas as estrelas ajudarem e tudo correr bem”. Além dos rumos macroeconômicos, ele reitera que os gestores de investimentos dos fundos de pensão estão ainda sob o efeito das dificuldades enfrentadas recentemente nos mercados de crédito e de equities. “O pessoal ainda está muito machucado por essas experiências; outra variável a ser considerada é até onde irá a operação lava-jato e de que modo isso irá afetar os mercados”, diz Queiroz. Considerando todas essas questões, ele estima que levará ainda pelo menos dois anos e meio para que as EFPC voltem a aumentar o apetite pelo risco em suas carteiras.

“No mercado de ações, estão todos cansados do excesso de volatilidade, ninguém aguenta mais entrar no jogo do “estou rico/estou pobre”, avalia o diretor da LUZ. Levando em conta que tudo corra bem e que haja uma recuperação da economia com queda do juro doméstico, a única alternativa de diversificação relevante para os fundos de pensão em 2017, acredita Queiroz, será a renda fixa no exterior: “Os bonds no mercado externo poderão ser uma opção atrativa e mais segura caso os juros comecem a cair no Brasil; já a renda variável lá fora cada vez mais perde o sentido uma vez que embute volatilidade demais para o apetite dos fundos de pensão”. ( Martha E. Corazza )